Amor líquido por Ed René Kivitz
Amor líquido
Como viver num mundo de parcerias frouxas e eminentemente revogáveis
Zygmunt Bauman é considerado hoje um dos sociólogos mais influentes do mundo. Professor emérito de sociologia na Universidade de Leeds e na Universidade de Varsóvia, seu livro mais recente é "Amor Líquido - Sobre a Fragilidade das Relações Humanas" (Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2003) de onde tirei os conceitos e extraí citações para estas reflexões.
A tese de Bauman é que vivemos em um mundo líquido, que detesta tudo o que é sólido e durável, tudo que não se ajusta ao uso instantâneo nem permite que se ponha fim ao esforço. O amor, nesse mundo líquido, é amor líquido. A tirania do mercado explica em parte esta característica rarefeita de tudo. Estamos na era do homo consumens. O que caracteriza o consumismo não é acumular bens (quem o faz deve também estar preparado para suportar malas pesadas e casas atulhadas), mas usá-los e descartá-los em seguida a fim de abrir espaço para outros bens e usos.
Estar excluído da sociedade de consumo equivale a ser um fracassado, um incompetente. Um consumidor falho fica se utilizando dos mesmos bens, e a utilização repetida o priva da possibilidade de sensações novas e inéditas. Isso os leva ao tédio e à frustração. Ser bem sucedido é conviver com novidades, variedades, e rotatividade.
Daí surge a cultura do aluguel e do descartável (e por isso mesmo mais barato). Nesta sociedade líquida, você não compra, aluga. Comprar implica posse e permanência. Alugar implica rotatividade sem ônus. O descartável pode ser facilmente substituído sem muito prejuízo: vale a relação custo benefício, ou tempo de benefício. No mercado, tudo está ao alcance do cartão de crédito, e a distância entre o desejo e sua satisfação está cada vez mais curta. E, portanto, o descarte cada vez mais rápido. A experiência sexual e relacional segue o mesmo padrão e raciocínio. Seu parceiro pode abandonar você a qualquer momento, sem o seu consentimento.
Anthonny Giddens, outro célebre analista da chamada pós-modernidade, fala dos "relacionamentos puros", onde as relações permanecem enquanto satisfazem as partes. São relacionamentos nos quais se entra apenas pelo que cada um pode ganhar e se permanece apenas enquanto ambas as partes imaginem que estão proporcionando a cada uma satisfações suficientes para permanecerem nas relações. Viver juntos é "por causa de" e não "a fim de". Enquanto há razões a parceria permanece. Os parceiros já não se enxergam como construtores de si mesmos, um do outro e da própria parceria.
Parcerias frouxas e eminentemente revogáveis substituíram o modelo da união pessoal "até que a morte nos separe". Bauman chama isso de "relacionamentos de bolso", que compara com vitamina C: em grandes doses podem causar náuseas e prejudicar a saúde. Por esta razão, a "sociedade líquida" prefere os relacionamentos diluídos, para que possam ser aproveitados. Os compromissos intensos e de longo prazo são uma armadilha a ser evitada. O compromisso fecha a porta para novas possibilidades (quem sabe, até melhores). Mantenha sempre sua porta aberta, dizem os "especialistas".
Viver juntos foi substituído por ficar juntos. A convivência foi substituída pelos encontros episódicos. O casamento foi substituído pela sucessão de romances com sexo. O divórcio foi substituído pelos CSS - casais semi separados. As amizades foram substituídas pelas salas de chat e as redes, onde se pode conectar e desconectar sem qualquer compromisso, promovendo relações fantasiosas ou profundas protegidas pelo anonimato. Ralph Waldo Emerson acertou ao afirmar que "quando se é traído pela qualidade, tende-se a buscar desforra na quantidade".
Na compulsão de tentar novamente, e obcecado em evitar que a atual experiência sabote a futura, ou sempre em expectativa de que o melhor está por vir e que há sempre algo melhor pelo que esperar, as pessoas acabam desaprendendo o amor, tornam-se incapazes de amar. A sensação de que se pode ser abandonado, substituído a qualquer momento impede a entrega total, e porque não se entrega totalmente, o amante parcial vive com a constante sensação de que está vivendo um equívoco, ou que está esquecendo algo, ou deixando de experimentar alguma coisa. Isso faz com que o amante parcial viva carregado de ansiedade. E, pior do que isso, está condenado a permanecer para sempre incompleto e irrealizado. Bauman diz a respeito que estão "numa viagem nunca termina, o itinerário é recomposto em cada estação, e o destino final é sempre desconhecido".
A resposta cristã para esta "sociedade líquida" que vive de "amores líquidos" deve considerar, pelo menos, três fatos. Em primeiro lugar, lembre-se que o amor encontra seu significado, não na posse das coisas prontas, completas e concluídas, mas no estímulo a participar da gênese dessas coisas. Martinho Lutero nos adverte que "o amor de Deus não se destina ao que vale a pena ser amado, mas cria o que vale a pena ser amado". Em outras palavras, não espere pessoas prontas, caminhe com elas rumo à maturidade.
Lembre-se também que o amor não é um caminho de satisfação, mas de transformação e realização. Hans Burki ensinou que "mais da mesma coisa nos deixa no mesmo lugar". Em outras palavras, quando seu relacionamento não estiver satisfatório, não mude parceiro ou parceira, mude o relacionamento.
Finalmente, lembre-se que o amor não é um episódio, mas uma caminhada comum. Não acontece na relação superficial, esporádica, virtual, meramente física, mas num relacionamento de proximidade que conduz à intimidade em direção à profundidade do ser que ama (dos seres que se amam). Em outras palavras, não confunda paixão e sexo com amor.
A sociedade anticristã não vive da negação do que é cristão, mas da deturpação. Para deturpar, você priva, exacerba (exagera) ou distorce. O amor líquido é uma falsificação do amor sólido. Isto é, para conspirar contra o amor, o diabo não precisa semear o ódio (a maioria rejeita), basta semear o amor líquido. A sociedade líquida está iludida. Carece de gente que viva relacionamentos de "amor sólido" para que conheça a verdade e seja liberta de sua ilusão.
Por Ed René Kivitz
Comentários