O Evangelho do Reino e o hospital de guerra - Parte 01




Alguém já disse que, independente da cidade, a maior igreja não se reúne num prédio específico. Ao contrário, ela não se reúne, pois é formada pelos afastados, desiludidos, amargurados e decepcionados. Concordo. Já fiz parte deste grupo. Conheço muitos deles. Mas é fato que mudei. Na verdade não sei nem quando, nem como, nem onde. O que sei é que fui encontrado e tratado, preenchido por uma nova vida, percepção e esperança. É isso que quero compartilhar com você neste texto.

Este fenômeno – chamo de “outra igreja” – não é de forma nenhuma novo nem tampouco brasileiro. Por toda história, infelizmente, encontramos pessoas mal interpretando o Evangelho, produzindo comunidades que ao invés de curar, enfermaram; ao invés de acolher, isolaram; ao invés de integrar, alienaram.

Bem sabemos que milhares vivem hoje à margem da graça do Reino. Tal enfermos ruminantes, em isolamento e tristeza, regurgitam culpas falsas e reais, alienados de si, dos outros e de Deus. Não lhes foi anunciado o evangelho do Reino, mas um ‘outro evangelho’ que Deus não avaliza. Atraídos por falsas e não realizáveis expectativas, buscaram vida tranqüila, próspera e saudável; casamentos perfeitos, filhos e netos exemplares; carreira profissional sempre ascendente, sucesso. Porém…

Apesar de todos os esforços, orações, dízimos e incontáveis participações em eventos, para a imensa maioria a pressão ainda sobe, a artéria entope, o menisco se desgasta, a unha encrava, o carro quebra, a empresa fali, e em alguns casos, até o casamento não resiste. Derrotados por uma teologia equivocada e um mundo cruel, saem pela porta dos fundos, ressentidos com Deus, com a igreja, com a vida.

Há aqueles que se afastam decepcionados com os próprios crentes. Isto porque no ‘outro evangelho’ a conversão é percebida como transformação instantânea. Nesta perspectiva a igreja é o lugar de congraçamento dos perfeitos, um grande clube vip. Mas a verdadeira igreja não é isso…

É verdade que somos abençoados na igreja, que irmãos maduros nos acolhem, enxugam nossas lágrimas e nos ensinam a caminhar. Mas é também verdade que na igreja somos julgados, traídos, difamados e explorados por gente do nosso próprio grupo, seja o coral, o louvor, ou a terceira idade. Na linguagem bíblica, parece haver muito joio pra pouco trigo.

O ‘outro evangelho’ nos aliena ainda quando cobra de nós mesmos a instantânea transformação. É verdade que algumas coisas podem e de fato, devem mudar na conversão. Há aqueles que são curados milagrosamente de vícios que os acorrentavam há anos; outros são libertos de espíritos malignos que os aprisionavam desde pequenos. Isto de fato acontece. É o poder do Evangelho. Mas outros não…

Não demora muito, porém, mesmo estes que foram milagrosamente libertos, percebem que apesar destas mudanças reais e significativas, outras áreas, antes dormentes, apresentam-se agora como grandes fontes de luta. Acabam, enfim, por identificar em seu próprio coração resistentes laços de avareza, preguiça, lascívia e orgulho. Mais luz, mais rachaduras…

Esta constatação os faz viver cabisbaixos ou lhes empurra numa busca desesperada por uma experiência catártica que, de uma vez por todas, expulse seus domesticados e obesos demônios.

Na verdade, como diz o ditado: “De perto ninguém é normal”! Melhor: “De perto, todos são miseráveis pecadores”, mesmo após a conversão.


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