GRANDES RENUNCIAS


Uma vez meu querido amigo John Stott me disse que Deus havia requerido dele três grandes renuncias.

Coisas que ele julgava que seriam normais para ele, mas que se lhe apresentaram como sendo “laços”.

Primeiro foi o casamento. Ficou noivo duas ou três vezes. Mas nunca conseguiu decidir casar-se por não ter convicção de Deus.

De certa forma, casou com sua mais que fiel secretária e amiga, que com ele já está por décadas e décadas, vivendo em amor puro e sublime. Disso ninguém tem nenhuma dúvida.

Segundo foi assumir uma cadeira numa das melhores Universidades da Inglaterra. Ele foi convidado mais de uma vez, mas sentia que aquilo o desviaria do caminho. E nem precisou de cátedra. Seus livros são estudados em todas as boas escolas de ensino teológico.

Terceiro foi o bispado ou episcopado. Ele sentia que aquele seria, para ele, um desvio de rota. Algo que o colocaria na burocracia da religião e poderia mudar sua alma.

Ele me contou isto em 1989, numa semana memorável que passamos juntos na Floresta Amazônica.

Naquele tempo eu ouvi aquilo tudo com muito carinho e respeito. Mas confesso que não pude entender a primeira renuncia. As outras me pareciam normais. Afinal, eu pensava, o que um homem como ele vai fazer preso à cátedra e ao episcopado?

Casamento? Bem, era normal. Essa era a renuncia que eu não podia entender. Coisa de bicho da floresta a minha incompreensão.

Depois, bem depois, entendi. Bem aos poucos também.

Vi como estar mal casado pode destruir alguém para sempre. Ou, então, fazer o individuo preferir enfrentar leões do que o juízo dos homens.

Também senti na carne o que é violentar a alma por causa de uma posição instituicional para a qual Deus não chamou você. Foram os seis anos de Presidência da AEVB. Quase morri. Não nasci para nada daquilo. Me fez muito mal ter que lidar com os intestinos adoecidos das lideranças, e ter que estender a mão para pessoas que mandavam, literalmente, matar o próximo em nome de Deus. Até os filhos dessas pessoas fugiam do aperto de mão. Mas a função obrigava a gentileza.

Hoje estou aqui. Com muitas renuncias para trás e algumas ainda para frente.

Quem me dera fossem apenas três.

Só Deus sabe quantas serão ainda.

Mas o fato é que não se pode ter tudo e todos.

Muitas vezes tem-se que arrancar os olhos, cortar a mão, decepar o pé, seguir caolho, maneta e manco, mas combater o bom combate, completar a carreira e guardar a fé.

A fé que conquista para fora realiza seu mais forte ganho quando conquista para dentro.

E a conquista para dentro quase sempre implica em renuncia.

A vida não é feita de renuncias. Mas sem algumas renuncias não se vive e não se conquista a verdadeira Vida ainda aqui na Terra.

Caio

Fonte: http://www.caiofabio.net/conteudo.asp?codigo=02200&format=sim

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