Só serei flor quando tu flores no verão...





"... Seres humanos são anjos de uma asa só que necessitam encontrar no outro a asa oposta e correspondente para que abraçando enfim os dois juntos possam voar... "   Fernando Pessoa

Pétalas ~ Alceu Valença

As borboletas voam sobre o meu jardim
São cores vivas, pousam sobre às onze horas
Nas rosas claras, violetas e jasmins
Um beija-flor traindo a rosa amarela
Beijou a bela margarida infiel
Papoula e dália estão cravadas de ciúmes
E o beija-flor beijando flores a granel
Pétalas, asas amareladas
Pétalas, espinho seco
Folha, flor, lagarta
Pétalas
As flores voam e voltam noutra estação
Só serei flor quando tu flores no verão

Só serei flor quando tu flores no verão...

“Conhece-te a ti mesmo” com esta célebre frase o filósofo grego Sócrates trouxe ao mundo do conhecimento não apenas uma simples contribuição, mas, sobretudo uma profunda reflexão concernente a vida humana. A sentença socrática é um convite a tornar-se consciente da própria ignorância, como sendo o ápice da sabedoria, que é o desejo da ciência mediante a virtude. Alguns séculos depois somos convidados por Jesus Cristo a fazermos tal reflexão, todavia com um cunho bem mais emblemático e intrínseco ao ser e a alma humana. Enquanto o ensino de Sócrates se dá (restringi-se) no campo da “gnose”, ou seja, na busca pelo (auto) conhecimento que traz deveras construções a existência e a realidade do ser humano, por outro lado temos um convite feito por Jesus para a auto-reflexão, a auto-análise, um encontro e confronto consigo mesmo, ou seja, que esta para além do simples conhecimento adquirido por leituras, pensamentos e práticas. É uma investigação acurada do ser e da alma, não se trata de me tornar um ser melhor, mais virtuoso, mas de descobrir quem sou, o que sou, e qual o propósito de o ser.
Jesus nos ensina por seu próprio modo de caminhar, e nos convida a isso: “Como quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles”, ou seja, esta é uma extensão mais aguda da proposta estabelecida por Sócrates, pois Jesus nos convida a uma confrontação com tudo aquilo que se encontra no porão do nosso ser e da nossa alma, não se limitando aos ensinamentos filosóficos e religiosos, não se limitando ao auto-conhecimento como o despertar de uma nova consciência, mas desenvolver a própria consciência, revelando apenas o que estava adormecido. É ir além do que se está posto, além do que se vê. Não contentar-se com o berço esplêndido do cotidiano. É ver além do perceptível, do óbvio. "Nem sempre é necessário que mudemos de rumo para descobrir todas as belezas do caminho, basta que ajustemos nossos passos e mudemos apenas a maneira de olhar o que antes passou despercebido".
Uma problemática tão antiga como atual, o “âmago oco”, ou seja, a alma humana profundamente angustiada, abatida e solitária, é literalmente o vazio do ser e da alma. A partir daí somos convidados ao encontro da dura realidade de confrontar a si mesmo. Neste ínterim é importante lembrar que não acreditar em algo é uma estrada tão longa e sem fim como acreditar em todas as coisas, mudar sempre e o tempo inteiro é a agonia da eterna inconstância, nunca mudar é viver a síndrome da toupeira, daí não faz mal mudar de vez em quando. Mas é essencial que na estrada percorrida, a nossa maneira, o nosso modo de caminhar seja alterado. A estrada será sempre a mesma, mas quem faz o caminho é o caminhante. Daí até a língua nos ajuda, podemos caminhar na estrada, mas jamais estradar no caminho.
O Eterno que É a revelação/expressão plena, máxima e última do Amor conhece e sabe bem o quão frágeis, limitados, impulsivos, medrosos somos, mais do que nós mesmos possamos conjecturar a nosso respeito, vez ou outra, ou até quase sempre confundimos liberdade com auto-destruição. Nessa viagem de descoberta do nosso âmago perpassarão dúvidas, angústias, medos e vários embates se darão dentro de nós. Sentiremos tanto resistência quanto confusão, pois encontraremos coisas que são difíceis de enfrentar, que machucam e condenam. É relevante compreender que somos seres diferentes uns dos outros, e neste aspecto somos únicos. Mas isso não nos impedi de compreendermos que com o outro também podemos ser um, e vice-versa.
O ponto de tensão do que aqui esta proposto se dá no campo da dependência ou não que o ser humano tem do Eterno, e a extensão ou entendimento dessa dependência se dá através dos relacionamentos humanos. Para não ficarmos no campo da abstração voltemo-nos para a realidade perceptível e reflexiva das coisas e da vida no seu dia-a-dia. Tomemos como exemplo a ideia de uma comunidade do Eterno. “Pelo Eterno ser, por sua natureza, um ser afetivo, o homem, criado para ser semelhante a Ele, é também um ser que se inter-relaciona. Fomos feitos para o relacionamento com o Eterno e com as outras pessoas. Segue-se que, nas partes mais centrais do nosso ser, ansiamos por desfrutar aquilo para que fomos projetados a vivenciar. Ansiamos por relacionamento”.
No preenchimento do vazio existencial, no transbordar da alma humana, não há preocupações cronológicas, não há aprisionamento no que tange o tempo. Não somos guiados pelos segundos, minutos e horas dos relógios, pelo tempo espaço físico e temporal, mas vivemos o tempo oportuno. Os encontros se dão nos desencontros, a caminhada já não é mais física, mas metafísica, a vida não é ou matéria, ou espírito, mas quântica. No Eterno, todas as coisas foram feitas, e sem Ele nada do que foi feito, se fez. Não são as ordens em que as coisas acontecem que passam a nos preencher e trazer esclarecimentos aos questionamentos, o processo vai de encontro às águas, as respostas são respondidas pelas perguntas, e a mensagem é essencial, e não a forma com se dão. 
A mensagem do Eterno começa "na experiência do encontro humano, da alegria humana, no ápice da celebração do encontro humano, que é a conjugalidade que se assume como satisfeita na intenção de que a vida inteira aconteça a dois". Por isso somos habitados da saudade de-não-sei-do-quê, a experiência do ser humano com o Eterno não é relativizada pela participação do outro, a nostalgia do desejo de um encontro com um semelhante é o atestado natural de que sentimos saudades, "a saudade é uma tatuagem na alma. Só nos livramos dela perdendo um pedaço de nós", não obstante a isso se canta "quero você inteira em minha metade de volta", aqui não falo apenas sobre as relações conjugais, mas sobre as fraternais, e de qualquer outro nível.
Daí extraímos alguns significados ou propósitos: Os recursos humanos são finitos, uma hora eles podem acabar; a preparação humana por melhor que seja, poderá ser surpreendida, pois sustos, frustrações e inesperados podem ocorrer, e isso aponta para a limitação, fragilidade, impotência e incapacidade humana diante de alguns situações; No Eterno encontramos a satisfação plena das relações humanas, o Eterno não é caprichoso ou vaidoso, Ele é amigo dos excluídos. Não há nEle antagonismo a alegria humana, pelo contrário, o que há é encontro e satisfação. O Eterno não tem ciúmes da alegria humana, nós fazemos o nosso pouso nEle, e Ele em nós. O Eterno quer apenas que tenhamos vida e vida em abundância, e isso se dá no encontro com o outro, e dEle em nós.


João Vicente Ferreira Neto

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