Burocratas do sagrado - Parte III

Burocratas do sagrado
quarta-feira 9 de maio de 2007

Entrevista com Leonardo Boff: Da hierarquia católica hoje ninguém espera novidades. Que Roma santifique Oscar Romero.
Sergio Ferrari, E-Changer

“Oxalá o Papa nos surpreenda”

Ainda que um tanto prematuro, pode-se esperar alguma conclusão importante da Conferência do CELAM? Refiro-me a decisões que poderiam dinamizar o compromisso social dos católicos latino-americanos.

Entre os teólogos que seguem a preparação de Aparecida predomina a idéia de que, no fundo, não há muito o que se agregar ao magistério episcopal latino-americano, consolidado nos últimos quarenta anos. Ou seja: a temática da libertação contra a opressão exposta em Medellin (1968); a opção pelos pobres e contra a pobreza de Puebla (1979); a inculturação da fé nas culturas oprimidas, especialmente entre a popular, indígena e negra. Como estabelecido claramente em Puebla, não basta constatar que há feridas que matam tanta gente, mas que é preciso denunciar as causas. A principal, ainda que não excludente, é o modo de produção e de consumo explorado por pessoas e nações que devastam os bens escassos da natureza. E este modo tem um nome: economicamente chama-se capitalismo, em sua etapa mundial globalizada e politicamente chama-se neoliberalismo. Estes são os grandes causadores de exclusão e de morte.

O que Aparecida vai, provavelmente, expressar, e esperamos que assim seja, é um chamado urgente ao cuidado e proteção da natureza e a responsabilidade coletiva pelo aquecimento global inevitável do planeta. Tudo isto está provocando uma devastação sem precedentes da biodiversidade e a criação de milhões de exilados climáticos que já não podem viver em suas regiões como resultado da diminuição das colheitas, falta de água e secas prolongadas.

Caso não haja tais declarações ou decisões “reconfortantes”, pode-se imaginar uma nova desilusão de amplos setores da igreja latino-americana em geral e brasileira em particular?

Não sinto que haja muita esperança em torno da visita do papa ao Brasil. Portanto, conseqüentemente, a desilusão não será muito grande. Esperamos ser surpreendidos pelo Papa. Desejamos que tenha olhos livres de preconceitos e lentes européias e que nos veja como verdadeiramente somos. Um país, Brasil, vergonhosamente dividido e polarizado entre ricos e pobres e, portanto, a necessidade de justiça social e de direitos sociais. E, de outro lado, um país belo, alegre e, diria também, místico. O povo sabe que Deus existe porque o sente na pele, no cotidiano de sua vida difícil e nos verdadeiros milagres que opera permitindo que sobrevivam. Um povo que se alegra quando seu time de futebol ganha, que sabe se divertir com o carnaval, que não é fundamentalista nem dogmático e que tem a convicção de que no caminho de Deus pode-se somar muitas coisas. Em uma síntese sincrética fantástica baseada na certeza de que no final tido termina bem, nos braços de Deus, que é o Pai e a Mãe de todos, sem distinção de origem nem credo.

Pode ser também que em Aparecida, o Papa faça um chamado aos católicos, especialmente aos jovens, para que permaneçam na Igreja, dada à hemorrágica migração para outras denominações eclesiásticas de cunho carismático. Porém, todas esses chamados e declarações pouco valem se a Igreja não se renovar em seu discurso, em sua forma de celebrar e ganhar sensibilidade para superar a fossilização que viveu desde o Pontificado de João Paulo II.

Tradução: Frineia Rezende

Fonte:

http://www.ciranda.net/spip/article1324.html

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