Entrevista com MARCELO FREIXO - Parte I
MARCELO FREIXO
Quando a mídia legitima o discurso da guerra
- Ué, cara, bandido perigoso lendo Jorge Amado?
- Tá me sacaneando? Tá tirando onda com quem é macho?
- Eu não, mas você falava que ler não era coisa para você. Que não se renderia aos estudos.
- É que agora sou mais perigoso do que eu era antes. Larguei a arma para pegar no livro.
Já fora do “momento entrevista”, com gravador desligado e canetas em posição de descanso, Marcelo Freixo, 40 anos, contou esse episódio do bandido que resolveu se tornar ainda mais perigoso para o sistema. E é sobre militância, educação popular, segurança pública e mídia que o deputado estadual (PSOL-RJ) conversou com o Fazendo Media. Entrevista concedida a Gilka Resende, Isabela Calil e Raquel Júnia.
Como começou sua militância política?
Fui criado no Fonseca, bairro da zona norte de Niterói, um lugar que também tem favela. Jogava bola no time Fla-Flu, que misturava asfalto e favela, por isso esse nome. A gente jogava no campo do presídio que tem lá. O presídio não era algo tão distante. Era, pelo contrário, o lugar onde eu mais me divertia. Só que com 14 anos, é lógico, eu não tinha menor idéia do que representa o sistema penitenciário. Como uma área periférica, o bairro é marcado pela violência policial e pela violência do varejo da droga. Vi situações absurdas e tive um monte de amigos mortos.
Já mais velho, depois de fazer Economia, fui fazer História. Estava no segundo período na Universidade Federal Fluminense e recebi um convite de uma socióloga para dar para dar aula de graça, dentro do presídio, maior roubada [risos]. A equipe começou a ler Paulo Freire e montamos uma Escola Popular, um projeto de educação dos mais brilhantes que já participei.
Foi revolucionário, pois os presos se envolveram muito. O Edimar, que está ali na porta [apontando], foi um dos presos do projeto, e o Robson, que também trabalha aqui no mandato, também. São exemplos concretos de que projetos assim funcionam, e não a repressão.
Em que ano começou o projeto? Ele funciona até hoje?
Foi em 88, 89, mas não existe mais. Tivemos muita dificuldade. O diretor da prisão, no início, não deu a menor bola. Depois, os presos estavam todos mobilizados, aprendendo a reivindicar, fazendo até carta para o Ministério Público. Aí o diretor não gostou. Mas é claro, né? O resultado de uma educação popular é a organização do povo, é a conscientização. E esse grupo cresceu muito, aprendi muito com aquelas pessoas.
Também militei no movimento sindical e fui, durante vinte anos, filiado ao PT. Quando o Partido dos Trabalhadores saiu de si, eu saí do PT. Depois entrei para o PSOL. Mas minha militância pelos direitos humanos tem essa raiz, que tem a ver com a minha história de vida e com esse momento na UFF. De lá para cá nunca deixei de trabalhar com presídios.
E como você avalia o sistema prisional hoje?
Qualquer sistema penitenciário reflete a sociedade que o produz. Não existe um sistema penitenciário em crise, existe uma sociedade em crise que, aí sim, produz esse sistema penitenciário. Em um país desigual como o Brasil, em que uma parcela da população sobrou, não está empregada, não é cidadã, não serve e precisa ser anulada socialmente e, por vezes, anulada fisicamente, o sistema penitenciário tem seu papel. Esse papel é o da pena de morte social.
Vivemos em uma sociedade onde a relação de classes é muito perversa. Ela não apenas passa mais por um processo de exploração capital-trabalho, mas é um processo de exploração no qual mais que o desemprego, mais do que o não acesso ao trabalho, você tem a anulação do outro como pessoa. Mais do que a porta da fábrica, a porta da favela é a maior trincheira da luta de classes hoje.
E quantas vezes eu já não escutei que direitos humanos são os direitos de defesa do bandido? Na verdade, o que se nega não é fato de ter direito, é o fato de ser humano. Como você não considera que ele tenha os compromissos éticos que você tem, você o anula. E aí se torna inadmissível que ele tenha um conjunto de direitos.
Fonte: http://www.fazendomedia.com/novas/entrevista20071210.htm
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